Ontem à tarde quase ouvi um passarinho
Destes já submissos à cidade.
Por trás de seu canto,
havia barulhos de carros, avião, ar condicionados
e máquinas de fazer qualquer coisa.
O passarinho se esforçava para aniquilar a cantoria
de uma rouquidão mal-humorada.
Seu canto se contorcia,
buscando um entrosamento
com o fantasma do asfalto quente
e o lixo jogado nas calçadas.
Entendi que o nascimento dos motores foi sempre a morte
de um mundo mais dócil e completo.
Roubamos um mar de nossos ouvidos
a cada gota de
diesel queimada.
Em troca, temos coisas coloridas para pegar
e pendurar nas orelhas
e sacolas para carregar estas mesmas coisas.
Vamos rápido a todo o lugar diferente de aqui
E voltamos quase sem tempo para o descanso agora
E para a percepção de que nunca
Precisaríamos sequer termos ido a lugar algum.
O passarinho de que falo também faz parte
de um movimento pós-revolucionário e mal-acabado.
Faz o seu ninho no poste,
dorme e se multiplica
sobre um transformador da CEMIG
como pode,
resistindo.
Ele sente o abandono,
come qualquer resto,
mas não há o que fazer.
Ele voa pela vizinhança e há riscos.
Ano passado seu ninho foi esturricado
por uma
descarga elétrica.