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13/09/2022

66 - PASSARINHO MAL-ACABADO

 Ontem à tarde quase ouvi um passarinho

Destes já submissos à cidade.


Por trás de seu canto, 

havia barulhos de carros, avião, ar condicionados 

e máquinas de fazer qualquer coisa.


O passarinho se esforçava para aniquilar a cantoria 

de uma rouquidão mal-humorada.


Seu canto se contorcia, 

buscando um entrosamento 

com o fantasma do asfalto quente 

e o lixo jogado nas calçadas.


Entendi que o nascimento dos motores foi sempre a morte 

de um mundo mais dócil e completo.


Roubamos um mar de nossos ouvidos 

a cada gota de diesel queimada.


Em troca, temos coisas coloridas para pegar 

e pendurar nas orelhas 

e sacolas para carregar estas mesmas coisas.


Vamos rápido a todo o lugar diferente de aqui

E voltamos quase sem tempo para o descanso agora

E para a percepção de que nunca

Precisaríamos sequer termos ido a lugar algum.


O passarinho de que falo também faz parte

de um movimento pós-revolucionário e mal-acabado.


Faz o seu ninho no poste, 

dorme e se multiplica 

sobre um transformador da CEMIG 

como pode, 

resistindo.


Ele sente o abandono, 

come qualquer resto, 

mas não há o que fazer. 

Ele voa pela vizinhança e há riscos.


Ano passado seu ninho foi esturricado 

por uma descarga elétrica.


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