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27/07/2022

24 - A CHEGADA DO CORONEL

 

Morávamos num pequeno prédio no Bairro Floresta. A rua era tranquila, algumas árvores por perto deitavam sombras e a meninada dominava as brincadeiras da noite e do dia. Eram tantas as invenções que às vezes observadores de outros bairros vinham para levar nossas ideias e truques para outros cantos da cidade.

Futebol de rua, soltar pipa, jogar pião, bolinha de gude, saltar tronco, seguir mestre, esconde-esconde, apertar campainha e sair correndo, tacar mamona, chamar alguns de bola, outros de tripa, caí no poço, queimada e todas que você imagina.

Pois foi sempre assim naquelas infâncias, até que foi anunciada a chegada do Coronel. Foi a mãe do Nem, filho de soldado, que disse:

-No dia 02 de fevereiro, o Coronel muda para o terceiro andar do predinho. Quero ver, meninada, a folia vai acabar!

Alguns não sabiam o que era um Coronel. Eu sabia. E expliquei: é alguém que tenta consertar os espinhos dos outros. E como a zaga toda ali era cheia de espinhos e amava a vizinhança como era (nossa!), a preocupação começou cedinho.

Até o dia 02 de fevereiro, dali a uma semana, as coisas pareciam que queriam mudar. Os narizes estavam mais limpos, a cada dia menos pés descalços e o Binha começou a tomar banho para ir à rua.

A trupe começou a se disfarçar de banda militar e, às vezes, nossas roupas pareciam uniformes. As calçadas eram varridas pela manhã, molhadas à tarde e ai de quem represasse as enxurradas.

Eu, que era uma criança que ainda sou, pedia para que chegasse o dia e acabasse aquela agonia.

Pois, dali a pouco, chegou o dia assim, rapidinho. E veio o caminhão de mudança do Coronel. Daqueles fechados, deixou caixas e caixas e parecia impossível ver o que tinha lá dentro. Muitos ajudantes apareceram e a mudança foi lá para cima. O caminhão foi embora em duas horas e na terceira hora chegou um carro com vidros pretos.

Desceu uma senhora.

Passaram alguns segundos.

Desceu o Coronel.

Toda vizinhança observava aquele homem, que ameaçava uma mudança de comportamento. O respeito estampado em mil medalhas.

E o Coronel subiu as escadas do predinho até o apartamento. A vizinhança continuava a vigília, talvez à espera de um pronunciamento. Naquele dia conheci pais e mães que eu nem sabia que existiam.

E o Coronel, sabedor das expectativas, apareceu na janela. Olhou ao redor, com olhos de sábio, e um jeito que nunca mais vi ninguém ter. Afrouxou a gravata. Abaixou as mãos, como se procurasse algo nos bolsos (talvez, os óculos) e disse, em voz solene:

- Eu me rendo. Bandeira branca!

E começou a arremessar balas de caramelo, soft, embaré, chicletes ploc, balas de goma, babaloo, pirulitos, balas de caramelo, embaré, soft, balas de goma, drops, babaloo, chicletes ploc, chocolate, pirulitos, soft, balas de caramelo, embaré e tudo que coubesse num coração como aquele.

 

Coronel bigode

Com o dedo em riste

Reclama e reclama

 

Quem fica triste

Se ele cai

De bunda na lama?


Johnny Guimarães