Morávamos num pequeno
prédio no Bairro Floresta. A rua era tranquila, algumas árvores por perto
deitavam sombras e a meninada dominava as brincadeiras da noite e do dia. Eram
tantas as invenções que às vezes observadores de outros bairros vinham para
levar nossas ideias e truques para outros cantos da cidade.
Futebol de rua, soltar
pipa, jogar pião, bolinha de gude, saltar tronco, seguir mestre,
esconde-esconde, apertar campainha e sair correndo, tacar mamona, chamar alguns
de bola, outros de tripa, caí no poço, queimada e todas que você imagina.
Pois foi sempre assim
naquelas infâncias, até que foi anunciada a chegada do Coronel. Foi a mãe do
Nem, filho de soldado, que disse:
-No dia 02 de fevereiro,
o Coronel muda para o terceiro andar do predinho. Quero ver, meninada, a folia
vai acabar!
Alguns não sabiam o que
era um Coronel. Eu sabia. E expliquei: é alguém que tenta consertar os espinhos
dos outros. E como a zaga toda ali era cheia de espinhos e amava a vizinhança
como era (nossa!), a preocupação começou cedinho.
Até o dia 02 de
fevereiro, dali a uma semana, as coisas pareciam que queriam mudar. Os narizes
estavam mais limpos, a cada dia menos pés descalços e o Binha começou a tomar
banho para ir à rua.
A trupe começou a se
disfarçar de banda militar e, às vezes, nossas roupas pareciam uniformes. As
calçadas eram varridas pela manhã, molhadas à tarde e ai de quem represasse as
enxurradas.
Eu, que era uma criança
que ainda sou, pedia para que chegasse o dia e acabasse aquela agonia.
Pois, dali a pouco,
chegou o dia assim, rapidinho. E veio o caminhão de mudança do Coronel.
Daqueles fechados, deixou caixas e caixas e parecia impossível ver o que tinha
lá dentro. Muitos ajudantes apareceram e a mudança foi lá para cima. O caminhão
foi embora em duas horas e na terceira hora chegou um carro com vidros pretos.
Desceu uma senhora.
Passaram alguns
segundos.
Desceu o Coronel.
Toda vizinhança
observava aquele homem, que ameaçava uma mudança de comportamento. O respeito
estampado em mil medalhas.
E o Coronel subiu as
escadas do predinho até o apartamento. A vizinhança continuava a vigília,
talvez à espera de um pronunciamento. Naquele dia conheci pais e mães que eu
nem sabia que existiam.
E o Coronel, sabedor
das expectativas, apareceu na janela. Olhou ao redor, com olhos de sábio, e um
jeito que nunca mais vi ninguém ter. Afrouxou a gravata. Abaixou as mãos, como
se procurasse algo nos bolsos (talvez, os óculos) e disse, em voz solene:
- Eu me rendo. Bandeira
branca!
E começou a arremessar
balas de caramelo, soft, embaré, chicletes ploc, balas de goma, babaloo, pirulitos,
balas de caramelo, embaré, soft, balas de goma, drops, babaloo, chicletes ploc,
chocolate, pirulitos, soft, balas de caramelo, embaré e tudo que coubesse num
coração como aquele.
Coronel bigode
Com o dedo em riste
Reclama e reclama
Quem fica triste
Se ele cai
De bunda na lama?