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25/07/2022

22 - MEU FORRÓ

 

          O vovô decidiu morar bem longe, num sítio que a gente demorava para chegar. Passava por uma estrada de terra, muitas lombadas e um montão de curvas. Era tão longe que o vovô parecia morar sozinho naquele mundo, depois de uma ponte e de um rio, pelas bandas de Montes Claros.

Mas, como atrativo para o menino e demais netos, o vovô comprou um lindo e sistemático cavalo.

Aquele cavalo habitava o sítio como um doce que atraísse a criançada.

          O cavalo parecia ser usado na lida da roça, ser de todos os netos, mas de alguma forma ficou aquela verdade que era do menino e só dele.

          No primeiro dia em que o menino, cheio de expectativas, foi conhecer o cavalo que ganhara, decidiu dar-lhe um nome pomposo.

Pensara numa coleção deles: Corcel, Thor, Trovão e até Coronel. No entanto, o vovô se adiantou ao batismo, com uma voz carinhosa e na tonalidade certa, dizendo:

          - É seu, o cavalinho, mas já veio com nome: Forró!, não é lindo?

          Ah, mas ele disse com aquele jeito de avô e o menino adorou já ganhar um cavalo com nome de fábrica. E o nome era diferente de tudo e por isto era perfeito, de certa forma se encaixando com a esquisitice do cavalo.

          É que o cavalo era de um tipo que, uma vez com cela, não aceitava passar perto de nada que ameaçasse deixá-lo fechado. Nada mesmo. O Forró era um cavalo baio, forte, ágil e que se desesperava quando diante de algum aprisionamento.

Cerca, porta, parede, corredor, tudo que desse a impressão de fechar o cavalinho era motivo para o descontrole. Até se o cupinzeiro do pasto fosse mais alto, o Forró já ficava cismado. Entrar numa baia, nem pensar. Ele pulava, nervoso, girava a cabeça, ameaçava dar pirueta, era um fuzuê.

          E o menino aprendeu a lidar com aquele defeito do cavalo. Andava com segurança o dia inteiro no lombo do Forró, ao ponto de o caseiro brincar, quando o cavalo voltava todo suado, no fim da tarde:

- Ichi, deste jeito o Forró desaba!

O menino e o Forró criaram uma amizade bonita de se ver. O cavalo permitia alguns galopes, deixava que o menino o empinasse e era visível a alegria de ambos. Há uma foto do Forró empinando com o menininho que é linda e de tirar o fôlego.

Foi assim que, com o Forró no sítio, decidimos sempre visitar o vovô e o cavalo.

Certo dia, depois de alguns meses de saudades, compramos passagem para apear naquele rancho tão caro para nós e distante de tudo.

Havia uma notícia no jornal regional que trazia uma certa preocupação para nossos planos. No rumo do sítio do vovô, a poucos dias de nossa viagem, houve tremores de terra. Alguns jornais estampavam o nome que dava medo: “terremoto”. Será? Será que houve mesmo?

O menino, quando ouviu a gente falando sobre o tremor, comentou:

- Eu sonhei com isto. É o Forró me chamando!

Todos rimos da farta imaginação do cavaleiro mirim.

Telefonamos para o vovô, tiramos nossa preocupação e confirmamos nossa ida.

Os dias que antecederam a viagem foram de uma ansiedade enorme. Fizemos contagem regressiva e a saudade do Forró chegava a ser a maior das saudades.

Logo que chegamos ao sítio, o menino, antes mesmo de se aquecer no abraço do vovô, saltou para cima da cela e de lá não desceu nem para almoçar. Os dois, cavalo e menino, pareciam brincar como crianças.

Era fim de tarde, quando houve outro tremor de terra. Assustado, olhei para o longe e vi o Forró e o menino.

O cavalo estava empinado e vi quando sua pata tocou o chão, coincidindo com o estrondo que se seguiu.

E vi o cavalo empinar novamente e percebi o tremor de terra e ouvi o estrondo coincidir com o toque das patas do cavalo no chão.

Assustadíssimo, olhei para o vovô, que sorriu sem surpresas.

O caseiro também observava desde o milharal e, após o tremor e o estrondo, voltou a baixar os olhos e a capinar e capinar.

O menino gritava ao longe:

- Não falei, papai, que era o Forró?

 

Se você brincar muito comigo

Prometo te deixar um pouco criança.

 

 Johnny Guimarães