O vovô decidiu morar bem longe, num sítio que a gente
demorava para chegar. Passava por uma estrada de terra, muitas lombadas e um montão
de curvas. Era tão longe que o vovô parecia morar sozinho naquele mundo, depois
de uma ponte e de um rio, pelas bandas de Montes Claros.
Mas,
como atrativo para o menino e demais netos, o vovô comprou um lindo e
sistemático cavalo.
Aquele
cavalo habitava o sítio como um doce que atraísse a criançada.
O cavalo parecia ser usado na lida da roça, ser de todos os
netos, mas de alguma forma ficou aquela verdade que era do menino e só dele.
No primeiro dia em que o menino, cheio de expectativas, foi
conhecer o cavalo que ganhara, decidiu dar-lhe um nome pomposo.
Pensara
numa coleção deles: Corcel, Thor, Trovão e até Coronel. No entanto, o vovô se
adiantou ao batismo, com uma voz carinhosa e na tonalidade certa, dizendo:
- É seu, o cavalinho, mas já veio com nome: Forró!, não é
lindo?
Ah, mas ele disse com aquele jeito de avô e o menino adorou
já ganhar um cavalo com nome de fábrica. E o nome era diferente de tudo e por
isto era perfeito, de certa forma se encaixando com a esquisitice do cavalo.
É que o cavalo era de um tipo que, uma vez com cela, não
aceitava passar perto de nada que ameaçasse deixá-lo fechado. Nada mesmo. O
Forró era um cavalo baio, forte, ágil e que se desesperava quando diante de
algum aprisionamento.
Cerca,
porta, parede, corredor, tudo que desse a impressão de fechar o cavalinho era
motivo para o descontrole. Até se o cupinzeiro do pasto fosse mais alto, o
Forró já ficava cismado. Entrar numa baia, nem pensar. Ele pulava, nervoso,
girava a cabeça, ameaçava dar pirueta, era um fuzuê.
E o menino aprendeu a lidar com aquele defeito do cavalo.
Andava com segurança o dia inteiro no lombo do Forró, ao ponto de o caseiro
brincar, quando o cavalo voltava todo suado, no fim da tarde:
-
Ichi, deste jeito o Forró desaba!
O
menino e o Forró criaram uma amizade bonita de se ver. O cavalo permitia alguns
galopes, deixava que o menino o empinasse e era visível a alegria de ambos. Há
uma foto do Forró empinando com o menininho que é linda e de tirar o fôlego.
Foi
assim que, com o Forró no sítio, decidimos sempre visitar o vovô e o cavalo.
Certo
dia, depois de alguns meses de saudades, compramos passagem para apear naquele
rancho tão caro para nós e distante de tudo.
Havia
uma notícia no jornal regional que trazia uma certa preocupação para nossos
planos. No rumo do sítio do vovô, a poucos dias de nossa viagem, houve tremores
de terra. Alguns jornais estampavam o nome que dava medo: “terremoto”. Será?
Será que houve mesmo?
O
menino, quando ouviu a gente falando sobre o tremor, comentou:
-
Eu sonhei com isto. É o Forró me chamando!
Todos
rimos da farta imaginação do cavaleiro mirim.
Telefonamos
para o vovô, tiramos nossa preocupação e confirmamos nossa ida.
Os
dias que antecederam a viagem foram de uma ansiedade enorme. Fizemos contagem
regressiva e a saudade do Forró chegava a ser a maior das saudades.
Logo
que chegamos ao sítio, o menino, antes mesmo de se aquecer no abraço do vovô,
saltou para cima da cela e de lá não desceu nem para almoçar. Os dois, cavalo e
menino, pareciam brincar como crianças.
Era
fim de tarde, quando houve outro tremor de terra. Assustado, olhei para o longe
e vi o Forró e o menino.
O
cavalo estava empinado e vi quando sua pata tocou o chão, coincidindo com o
estrondo que se seguiu.
E
vi o cavalo empinar novamente e percebi o tremor de terra e ouvi o estrondo coincidir
com o toque das patas do cavalo no chão.
Assustadíssimo,
olhei para o vovô, que sorriu sem surpresas.
O
caseiro também observava desde o milharal e, após o tremor e o estrondo, voltou
a baixar os olhos e a capinar e capinar.
O
menino gritava ao longe:
-
Não falei, papai, que era o Forró?
Se você brincar muito comigo
Prometo te deixar um pouco criança.