Naquele dia, o menino contou ao papai que estava com medo de trovão, rojão e balão, tudo que acabava com “ão” e fazia muito barulho.
O medo era aqui dentro da gente, mas parecia deixar tudo cá fora escuro como breu, como uma noite sem lua. Era de verdade e não era brincadeira, aquele medo. Machucava, mesmo, como espinho no pé, batida no joelho.
Era
um medo de esquecer fantasias, de deixar as pistas de carrinhos de lado, de
perder o sorriso por um minuto, de querer ir para casa correndo e deixar a
festa. Mesmo com escorregador e guloseimas, a festa perdia a graça.
-
O que fazer quando o medo é assim grandão, papai? Perguntou o menino, com cara
de choro.
-
Ora, ora... tenho uma ideia - falou o papai, como se já tivesse sentido o mesmo
medo.
–
E se a gente desenhar os trovões, rojões e balões num papel? Desenhar com todas
as cores de seus lápis, rabiscando forte cada estampido?
O
menino, que confiava no papai, topou aquele plano.
E
enquanto desenhava, usando preto para o trovão, amarelo para o rojão e vermelho
para o balão, o menino dizia:
-
Papai, de balão pequenininho, o medo nem é tão grande. Se o balão é grandão, aí
não, o medo é gigante.
-
De trovão baixinho, o medo é uma formiguinha. Se o trovão é alto, o medo vira leão.
-
De rojão, lá longe, o medo é um traque. De rojão de time campeão, bem pertinho,
o medo é uma explosão.
O
menino conversava, imaginava e desenhava aqueles medos no papel. Dava até para
ouvir o barulho dos desenhos.
Cabrum,
pow e pá.
No
fim da tarefa, o papai perguntou:
-
Agora, e se a gente amassar a folha todinha, que está repleta de seus medos,
surda de seus sustos, e jogar na lata do lixo? Topa?
O
menino gostou da ideia, amassou na hora a folha com os desenhos dos medos e deu
para ouvir um tanto de barulho medonho dentro da bola de papel. Era um cabrum,
pow e pá baixinho, abafado pelas dobras.
Na
sequência, aqueles medos barulhentos foram parar bem na lata do lixo, junto com
restos imprestáveis de outras coisas. Não jogaram na lata dos recicláveis, para
nem ter perigo de volta.
-
Agora, e se a gente descer com o lixo e ver daqui da janela os seus medos irem
embora?
Era
dia da coleta e, à noite, quando chegou a hora, ficaram os dois debruçados na
janela, assistindo o caminhão da prefeitura, com os moços da limpeza,
recolhendo tudo, inclusive aquela folha enrolada cheia de medo, cabrum, pow e
pá.
Os
moços da limpeza nem suspeitavam do perigo que corriam.
Será
que no lixo de cada casa havia uma folha com medos desenhados?
O
caminhão de lixo foi embora, lento e pesado, rua acima, levando na caçamba todo
o medo do menino.
Tenho medo.
Papai, não quero
sonhar.
Pega meu sonho para
você?
Quando eu acordar você
me devolve?