Cheguei
a Kazuo Ishiguro através dos textos da tradutora e crítica literária Camila Von
Holdefer, que possui gosto de leitura muito semelhante ao meu. Sou leitor do blog de Camila e posso dizer
que “por sua indicação” li Não Me Abandone Jamais e O Gigante Enterrado.
Quando
vi a capa de Klara e O Sol, também de Kazuo Ishiguro, estampada em seu blog,
baixei sem pestanejar. No entanto, antes de iniciar realmente o livro fui ler sua
crítica e me deparei surpreendentemente com um texto que desmerecia
sobremaneira o livro, rotulando-o como “indefensável” para um Nobel de Literatura
(2017).
Já
era tarde. – Já comprei, agora vou ler,
pensei. E adentrei na fantástica viagem do livro.
Confirmei
a percepção de que leitura é uma experiência contextual e ímpar. Vejo que
Camila não viu o que vi, desgostou do que me intrigou, desfez do que vai ficar
marcado.
Em
primeiro lugar, é necessário dizer que Kazuo Ishiguro é um escritor que cria um
ambiente de inquietação. Ressalto, inclusive, que, se o leitor não estiver num período de
segurança emocional, a leitura pode ser indigesta. Tenho realmente um medo que antecede
o caminho de suas páginas. O fantástico, o ficcional científico, a antecipação
lógica de uma época é tratada de uma forma que me traz sensações muito próximas
da vivência que seria real, mexendo de alguma forma com minha sensibilidade às
vezes aflorada. Paradoxalmente, esta sensação de estranhamento me atrai e não é
à toa que já estou com Os Vestígios do Dia, vencedor do Booker Prize de 1989,
na fila de leitura.
Em Klara e o Sol, livro que tem como pano de fundo um equivalente a um robô aprimorado com inteligência artificial (AA) a tomar conta de uma criança enferma (de uma enfermidade possivelmente incurável e fatal), o escritor traz alguns questionamentos que a humanidade ainda não atravessou:
Teremos robôs como cuidadores de nossos filhos?
A inteligência artificial criará suas crenças? Estará a inteligência artificial fadada a ter seus próprios deuses a suportar a incompletude de respostas?
Será possível a modificação via DNA dos novos humanos? E quem não fizer a opção por esta modificação, será discriminado?
O que fazer com a inteligência artificial
quando não for mais útil ou houver um equivalente mais atualizado? Haverá algo
próximo a um sofrimento da inteligência artificial descartada de seu papel de
utilidade?
Outra
questão que Kazuo traz de uma forma peculiar no livro é a dúvida sobre a real
existência de um “eu” singular e titular de uma individualidade não repetível.
Seria possível, com um aprimorado grau de observação e mimetismo, a partir de
uma inteligência artificial, a continuidade do que entendemos por
individualidade e suas idiossincrasias? Seria possível a cópia do que
entendemos como eu/alma (aqui, alma como contraponto a eu/corpo)? Depois de
carregar a dúvida por boa parte do livro, parece que, neste caso, o autor
responde de forma negativa. E neste ponto sou obrigado a concordar com Camila,
foi superficial a resposta para questão tão intrincada e nada óbvia.
Para
o autor, a redoma da individualidade dar-se-ia não pela qualidade de ser o que
se é de determinada forma, mas pela percepção e correspondência a partir do
olhar “das pessoas que a amavam”. Ora, claro que se houvesse a possibilidade da
continuidade por uma AA de determinada individualidade seria uma continuidade
numa nova vivência, como também seria se a mesma individualidade tivesse a
continuidade alterada por algum trauma ou modificação significativa do entorno
ou de si mesmo. A resposta simples do autor matou a possibilidade de um entrada
mais densa na questão, a meu ver.
De
qualquer forma, gostei do livro que trouxe inquietude para meus dias e influenciou
minha visão de mundo. Indico a leitura, observando que a sensação é próxima ao
divertimento numa montanha russa. Há a expectativa, o medo, o sorriso, o
desconforto e o alívio prazeroso ao fechar a última página.