Creio
que um velho amigo ficou louco. Ou assim aconteceu, ou, mais do que amigo meu,
o desvirtuado é um grande piadista. Imaginem que agora passo remoendo meus
sagrados vinte e cinco minutos no ônibus (em dias sem azar e chuva) com uma só
ideia dele, do doido: que o ofício da leitura no coletivo causa o anárquico mal
do deslocamento da retina.
Contesto
sua ideia com força de mula. E até mesmo digo que de nada mais se trata do que
simples boato de incultos.
Vinte
e cinco minutos de ida, vinte e cinco minutos de volta, e lá se vão porções
imensas furtadas da minha vida.
Que
fazer se a própria retina clama descanso nas páginas de um bom livro?
Além
da necessidade que me abate, além do desperdício cronológico contra o qual
luto, um outro maciço argumento: se o deslocamento realmente nos ferisse em
ferinas cutiladas, traumáticos empurrões, o que seria, meu Deus, desses
milhares de evangélicos, que outra coisa não fazem senão ler, ler e ler os
sagrados textos, onde quer que lhes apareçam? Se é que leem e não fazem um
santo disfarce.
Por
outra, e o destino – já per si incerto – dos perenes vestibulandos de nossa
capital, os quais, quando não leem, despistam, numa possível falsa erudição (por
favor, perdoem minha língua), invejada pelos tantos quantos intelectuais
encantoados pela cidade.
Uma
observação: há algo mais erudito do que um destemido vestibulando com seu um só
volume em punho? “Temo o homem de apenas um livro”, poderão citar.
Está
dito. Ainda que me apresentem teses, provando os reais malefícios da leitura
indigesta, empaco.
Ainda
que sofra sintomas que me contrariem, empaco.
O
que não me apraz é perder este tempo de joia, a não ser com alguma seletas e
trêmulas linhas. Pois, num chavão, mais vale um livro na mão que meu tempo pela
janela.