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25/08/2022

50 - TODOS OS BICHOS

 


Pedro decidiu que possui todos os bichos da natureza, inclusive os de verdade, aqui em casa. Acontece que esta decisão trouxe para a família algumas situações embaraçosas.

Como entrar, por exemplo, com todos eles no elevador?

- Apertam com o chifre os botões do painel, óbvio. E para abrir a porta, usam as orelhas – respondeu o menino.

E todos os bichos moram dentro do apartamento, então, até os maiores e pescoçudos.

Os que voam, fazem ninho nas nossas janelas, postes vizinhos e em alguns telhados. Mas o habitat é aqui e ponto.

O urso está no banheiro, e é melhor tomar cuidado quando abrir a porta para não ferir o bichinho.

Ontem à noite, deitamos na cama de casal para assistirmos o rebolado dos bichos marinhos lá embaixo, perto dos chinelos. Os tubarões tentavam nos pegar. Golfinhos faziam manobras repetitivas. Havia alguns insetos de verdade que perturbavam a vida dos observadores. A cama era nosso bote e salvação. Ao menor sinal de uma abocanhada, voltávamos sorrindo para o centro dos lençóis.

Os bichos da natureza também se adaptaram fácil ao automóvel da família, de porta-malas largo.

Melhor assim, porque nunca aceitam ficar a sós no apartamento.

O embarque é simples: é só esperar um minuto a mais, alongando o ritual de apertar o cinto etc que os bichos, adestrados, já pulam para dentro, junto com o menino.

Se alojam como podem no bagageiro, porta-luvas e chegam a se sentar no volante, conforme o encaixe.

Vez em quando, ao chegarmos no sítio do vovô, é abrir a porta que os bichos saem em debandada, alguns em revoada, tomando seu espaço de direito.

Um dia, perguntei:

- Pedro, mas você tem todos os bichos mesmo, até jabuti?

- Claro, pai, não quero que pergunte – ralhou comigo. Tenho todos os bichos da natureza, reais e de mentirinha, e jabuti é um bicho, né! – resolvido.

- E libélula?

- O que é libélula? - perguntou.

- Um inseto - expliquei.

- Então, sim, se tenho todos! – ralhou de novo.

-  Não pergunta que me irrita! Já disse que tenho todos os bichos da natureza! – e nunca mais questionei.

Me fascino com o entusiasmo dele ao descobrir uma nova espécie, alargando assim sua posse e riqueza.

Temos aprendido a conviver com os bichos nesta quarentena.

Às vezes tenho certa preguiça em pensar na limpeza. Imaginem tanto cocô.

Às vezes tenho certa preocupação, quando penso nos custos da alimentação. Quilos e quilos de ração e carne e capim, tão caros.

Mas o maior medo é pensar nas possíveis disputas de território.

Até hoje parecem que vivem em harmonia, junto com os dinossauros, tratores, forte apache e pistas de carrinhos. A dificuldade é manter a paz com os objetos dos adultos, que vira e mexe se espatifam pelo chão.

Não tenho medo de todos os bichos da natureza do Pedro.

Tenho medo é de que o tempo não consiga mantê-los em nossa cercania.

Tenho medo de que o tempo permita que o cavalo saia a galope, que se afaste, de que o elefante penetre numa floresta distante, de que o gavião busque um cume, de que os insetos brilhem e eu nem veja.

Um dia, talvez, e tomara que demore uma infinidade, o avestruz e o "tamanho do A" (tamanduá rs) serão engolidos pelo tempo, este predador Tiranossauro Rex.

@Johnnysio