Pedro decidiu que possui todos os bichos da natureza,
inclusive os de verdade, aqui em casa. Acontece que esta decisão trouxe para a
família algumas situações embaraçosas.
Como entrar, por exemplo, com todos eles no elevador?
- Apertam com o chifre os botões do painel, óbvio. E
para abrir a porta, usam as orelhas – respondeu o menino.
E todos os bichos moram dentro do apartamento, então,
até os maiores e pescoçudos.
Os que voam, fazem ninho nas nossas janelas, postes
vizinhos e em alguns telhados. Mas o habitat é aqui e ponto.
O urso está no banheiro, e é melhor tomar cuidado
quando abrir a porta para não ferir o bichinho.
Ontem à noite, deitamos na cama de casal para
assistirmos o rebolado dos bichos marinhos lá embaixo, perto dos chinelos. Os tubarões tentavam
nos pegar. Golfinhos faziam manobras repetitivas. Havia alguns insetos de
verdade que perturbavam a vida dos observadores. A cama era nosso bote e
salvação. Ao menor sinal de uma abocanhada, voltávamos sorrindo para o centro
dos lençóis.
Os bichos da natureza também se adaptaram fácil ao
automóvel da família, de porta-malas largo.
Melhor assim, porque nunca aceitam ficar a sós no
apartamento.
O embarque é simples: é só esperar um minuto a mais,
alongando o ritual de apertar o cinto etc que os bichos, adestrados, já pulam
para dentro, junto com o menino.
Se alojam como podem no bagageiro, porta-luvas e
chegam a se sentar no volante, conforme o encaixe.
Vez em quando, ao chegarmos no sítio do vovô, é abrir
a porta que os bichos saem em debandada, alguns em revoada, tomando seu espaço
de direito.
Um dia, perguntei:
- Pedro, mas você tem todos os bichos mesmo, até
jabuti?
- Claro, pai, não quero que pergunte – ralhou comigo.
Tenho todos os bichos da natureza, reais e de mentirinha, e jabuti é um bicho,
né! – resolvido.
- E libélula?
- O que é libélula? - perguntou.
- Um inseto - expliquei.
- Então, sim, se tenho todos! – ralhou de novo.
- Não pergunta que me irrita! Já disse que tenho
todos os bichos da natureza! – e nunca mais questionei.
Me fascino com o entusiasmo dele ao descobrir uma nova
espécie, alargando assim sua posse e riqueza.
Temos aprendido a conviver com os bichos nesta
quarentena.
Às vezes tenho certa preguiça em pensar na limpeza.
Imaginem tanto cocô.
Às vezes tenho certa preocupação, quando penso nos
custos da alimentação. Quilos e quilos de ração e carne e capim, tão caros.
Mas o maior medo é pensar nas possíveis disputas de
território.
Até hoje parecem que vivem em harmonia, junto com os dinossauros, tratores, forte apache e pistas de carrinhos. A dificuldade é
manter a paz com os objetos dos adultos, que vira e mexe se espatifam pelo
chão.
Não tenho medo de todos os bichos da natureza do
Pedro.
Tenho medo é de que o tempo não consiga mantê-los em nossa cercania.
Tenho medo de que o tempo permita que o cavalo saia a
galope, que se afaste, de que o elefante penetre numa floresta distante, de que
o gavião busque um cume, de que os insetos brilhem e eu nem veja.
Um dia, talvez, e tomara que demore uma infinidade, o
avestruz e o "tamanho do A" (tamanduá rs) serão engolidos pelo tempo,
este predador Tiranossauro Rex.