Fiquei sabendo que não é verdade que vovô escreveu o hino do Democrata
de Sete Lagoas. Junto com os brinquedos de sucatas que ele fazia, das
beliscadas de formiga que nos dava, também a memória tinha este registro. Se
fosse verdade, o google diria.
Não diria?
Então quero fazer justiça com o Seu Hugo e deixar seu nome voando
por aqui: foi ele quem me mostrou o time certo para amar, foi ele quem nadou
contra a correnteza da avançada idade e decidiu nos acompanhar até ao jogo Galo versus
Democrata de Sete Lagoas, lá pelos idos de minha infância. À época, não existia o atual estádio conhecido como Arena do Jacaré (mascote do Democrata), e o campo de então quase dividia muro com a casa de meus avós.
Naquele domingo, passamos (eu e meu pai) pela roleta com o meu avô e
fomos nos sentar nas arquibancadas repletas de fanáticos pelo esporte. Mal
sentamos (eu já pensava no picolé de brinde) e a torcida vermelha e interiorana
do democrata entoava para todos ouvirem:
- “Ahaha uhuh ô atleticano eu vou...”
E por aí foi a rima das palavras de baixo calão, desaguando nos
córregos mais imundos das ofensas.
Vô Hugo, imenso atleticano, senhor magro, íntegro e reto, sozinho e impotente
diante daquela massa rubra, sentiu a gota de revolta pingar lá dentro.
Bílis, gota ácida, sapos, cobras e lagartos.
Em defesa, mandou um chute bicudo certeiro:
“Eu já estou muito velho para ouvir isso! Eu
vou é embora daqui!”
O jogo nem sonhava em começar. Os times ainda não estavam em campo e meu avô
deu aquele tirambaço de Éder Aleixo dos Guimarães.
Com o pontapé, acabou meu picolé.
Vô
Hugo foi mesmo para casa e, apesar dos argumentos ruidosos da torcida que
percebera o imbróglio, tivemos que segui-lo.
Não me lembro do vencedor do jogo ou placar. Do desejo do sabor doce e gelado
que queria, apenas ficou a imagem revoltada daquele último patriarca e as cores
do sorriso inacreditando de meu pai.
Creio que data dessa época a decisão firme de retirar do hino do Democrata Futebol Clube (o famoso Democrata de Sete Lagoas/MG) o seu nome.
Foi neste dia que ele sentenciou, contra os apelos de todos familiares
(inclusive dos inúmeros netos que ainda viriam) não ter escrito a canção. Foi
aí, pela ingratidão da patuleia conterrânea, que o Dom Hugo das Sobrinhas,
também conhecido como Seu Hugo Passarinho, rompeu com o Jacaré em definitivo,
para o passado, presente e futuro.