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16/08/2022

43 - O QUE É DO HOMEM, BICHO NÃO COME


         Só nós três acreditávamos na apreensão da carga. O resto da equipe já tinha voltado pra casa que o mato estava fazendo mal. Alimentar-se em qualquer canto, dormir em banco de carro, no primeiro dia tem até graça, mas depois de uma semana é uma dor incômoda e o corpo parece que fica dobrado. Eu mesmo já não aguentava roçar a mão no rosto e perceber a barba irregular crescente, a ausência de uma higiene completa e demorada.

Mas estávamos com fé, apesar dos indícios desfavoráveis. 

Ao meu lado R. e M. tinham uma vontade incrível e sabíamos que agora a vitória seria ainda mais saborosa, compartilhada com poucos resilientes (para usar uma palavra que caiu no gosto e vocabulário policial).

Na verdade, tinha restado somente a zaga: 

R. é bicho de montanha, dorme em qualquer mato e parece que não percebe o frio. Se deixarem, busca a solidão com um qualquer barco em beira de rio. Hoje tem deixado uma barba grande, uma cara de mal, um verdadeiro hipster

M. tinha  o contato quente e a linha que passava todas as dicas dos caras que buscavam, sem ao menos saber, escapar da gente, da prisão iminente. 

Já sabíamos que era um caminhão, placa tal, de cor vermelha, que passaria em hora aproximada por aqueles arredores, trazendo toneladas de droga. Do dia esperado, já estávamos nos distanciando e muito. Disseram que talvez houvesse uma carga de madeira escondendo a mercadoria, e esta era a última pista... 

O traficante, diz a experiência policial, geralmente age por impulso e parece mesmo perceber o entorno de forma que sai quando não deveria sair, e deixa de sair quando era o combinado.

Pois bem. Lá pelas cinco e meia da madrugada, dia começando a nascer, estávamos cansadíssimos numa estradinha pro lado de Muzambinho, fazendo a ronda e busca, quando não aguentei e caí no sono.

Sonhei que estava num lago cheio de lodo e que sentia gastura ao pôr os pés naquela água imunda. Percebia a existência de algum peixe ou lesma, mão úmida ou raiz que a qualquer instante me sugaria.

No meio do sonho, acordei num susto, com receio de ter perdido algo, de ter demonstrado alguma fraqueza, dado algum vexame e com uma frase que eu não sei de onde veio:

- O caminhão tá logo aí na frente!

Acordei assustado e falando alto.

Fui peremptório na premonição.

Os dois ouviram e não deram muito crédito àquela conversa de tonto. De qualquer forma, percebi que R. conferiu a pistola e munição. 

Mas acontece que estava lá. Em menos de cem metros cruzamos com o caminhão esperado e, depois de uma investida firme e segura, apreendemos, enfim, as três toneladas de maconha.

Estava escrito: embaixo das centenas de banquinhos de madeira, a maconha escondida. A vitória era nossa e eu tinha realmente sentenciado, como um vidente, o fim das diligências.


Johnny Guimarães