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01/08/2022

26 - CONTA UMA HISTORINHA?

 

Os meninos sempre pediam, antes de dormir, uma historinha de cabeça. Era o jeito deles dizerem que queriam uma história original, que não viesse de livro nenhum, que fosse feita ali mesmo, na frente deles, de improviso, quentinha, saindo na hora.

- Conta uma historinha? Mas tem que ser de cabeça!

E o pai contava e lá pelo meio da história, quase sempre, o sono batia, e as palavras se embaralhavam, e a história que falava sobre o peixinho que lutava, de repente, trazia frases desconexas, soltas, como “o combustível acabou”, aí o peixinho “o engarrafamento me fez atrasar”, “cinto de segurança”, “pega a caneta” etc. Os meninos riam da doidura momentânea do pai e o sacolejavam o lé-lé da cuca para tirá-lo daquela soneca.

- Conta uma historinha? Mas tem que ser de cabeça! Grandona, que essa foi pequenininha.

E lá ia o pai tentando uma narrativa coesa, coerente, com lobos maus, crianças heróis, bichinhos preferidos, mas, de repente, lá vinha o sono e o cansaço acumulado do dia inteiro... e aquelas frases e palavras penetras entravam na história: “engarrafamento”, “cheguei tarde”, “tem que marcar a consulta” etc. Os meninos riam muito e o som das gargalhadas fazia o pai acordar constrangido.

Certo dia, o pai dos meninos viajou. Era tarde da noite, os meninos com pijamas, dentes escovados e luz apagada, mas o sono não vinha. Estavam sem histórias de cabeça. Pediram, então, para a mãe fazer uma live com o papai, via celular, e pediram:

 - Conta uma historinha? Mas tem que ser de cabeça!

O pai ajustou o vídeo do celular e começou a contar uma história sobre um jogo de futebol de rua, com craques de bola, golaços etc. Mas o sono era muito, cansaço de viagem, e começou a permitir que o enredo perdesse o nexo e a história começou a ficar sem sentido, com palavras estranhas no meio... “ mas este hotel”, “saudade”, “a estrada estava cheia”, “o sapo era de uma cor diferente”... Mas, desta vez, sem querer, o pai não percebeu que, apertando uma função do aplicativo, estava transmitindo ao vivo aquela história sem pé nem cabeça na rede social. Os meninos riram muito do desencontro da história e o pai acordou, assustado.

- Conta uma historinha? Mas tem que ser de cabeça! Grandona, que essa foi pequenininha.

E o pai, sem perceber a conexão com o mundo, com o seu chefe, com o pessoal da faculdade, com os colegas de trabalho, com a família dele e da esposa, voltou a balbuciar a historinha daqueles tempos de criança. Passados alguns minutos, lá vinham os assuntos alienígenas, frutos de muito sono: “aquele livro não chegou”, “tenho um boleto para pagar”, “engraçado”... Os meninos riram muito e os novos expectadores riram demais.

Os likes e mensagens de texto começaram a pipocar no celular:

- Conta uma historinha? Mas tem que ser de cabeça! Grandona, que essa foi pequenininha. kkkkkkkkk


Johnny Guimarães