Os
meninos sempre pediam, antes de dormir, uma historinha de cabeça. Era o jeito
deles dizerem que queriam uma história original, que não viesse de livro
nenhum, que fosse feita ali mesmo, na frente deles, de improviso, quentinha,
saindo na hora.
-
Conta uma historinha? Mas tem que ser de cabeça!
E
o pai contava e lá pelo meio da história, quase sempre, o sono batia, e as
palavras se embaralhavam, e a história que falava sobre o peixinho que lutava,
de repente, trazia frases desconexas, soltas, como “o combustível acabou”, aí o
peixinho “o engarrafamento me fez atrasar”, “cinto de segurança”, “pega a
caneta” etc. Os meninos riam da doidura momentânea do pai e o sacolejavam o
lé-lé da cuca para tirá-lo daquela soneca.
-
Conta uma historinha? Mas tem que ser de cabeça! Grandona, que essa foi
pequenininha.
E
lá ia o pai tentando uma narrativa coesa, coerente, com lobos maus, crianças
heróis, bichinhos preferidos, mas, de repente, lá vinha o sono e o cansaço acumulado
do dia inteiro... e aquelas frases e palavras penetras entravam na história: “engarrafamento”,
“cheguei tarde”, “tem que marcar a consulta” etc. Os meninos riam muito e o som
das gargalhadas fazia o pai acordar constrangido.
Certo
dia, o pai dos meninos viajou. Era tarde da noite, os meninos com pijamas,
dentes escovados e luz apagada, mas o sono não vinha. Estavam sem histórias de
cabeça. Pediram, então, para a mãe fazer uma live com o papai, via celular, e pediram:
- Conta uma historinha? Mas tem que ser de
cabeça!
O
pai ajustou o vídeo do celular e começou a contar uma história sobre um jogo de
futebol de rua, com craques de bola, golaços etc. Mas o sono era muito, cansaço
de viagem, e começou a permitir que o enredo perdesse o nexo e a história
começou a ficar sem sentido, com palavras estranhas no meio... “ mas este hotel”,
“saudade”, “a estrada estava cheia”, “o sapo era de uma cor diferente”... Mas,
desta vez, sem querer, o pai não percebeu que, apertando uma função do
aplicativo, estava transmitindo ao vivo aquela história sem pé nem cabeça na
rede social. Os meninos riram muito do desencontro da história e o pai acordou,
assustado.
-
Conta uma historinha? Mas tem que ser de cabeça! Grandona, que essa foi
pequenininha.
E
o pai, sem perceber a conexão com o mundo, com o seu chefe, com o pessoal da
faculdade, com os colegas de trabalho, com a família dele e da esposa, voltou a
balbuciar a historinha daqueles tempos de criança. Passados alguns minutos, lá
vinham os assuntos alienígenas, frutos de muito sono: “aquele livro não chegou”,
“tenho um boleto para pagar”, “engraçado”... Os meninos riram muito e os novos
expectadores riram demais.
Os
likes e mensagens de texto começaram
a pipocar no celular:
-
Conta uma historinha? Mas tem que ser de cabeça! Grandona, que essa foi
pequenininha. kkkkkkkkk