Dona
Alba era uma senhora de longos cabelos brancos, que habitualmente vestia calça
e blusa brancas, sapato branco e sempre ostentava uma varinha de metal nas
mãos.
Descia
do ônibus que chegava ao bairro por volta das seis da tarde e sempre a
esperávamos, quase escondidos, prontos para o grito.
Era
a Dona Alba apontar na soleira do coletivo para a turma soltar o berro:
-Dona
Alba Halloween! – num bullying
irresponsável.
Ela
encarava a gente, falava uns impropérios, fazia diversos desenhos com a varinha
no chão, e era o bastante para nos deixar morrendo de medo.
Outro
menino gritava:
-
Dona Alba Pomba Branca! – numa afronta desrespeitosa.
Saíamos
desembestados, numa correria rua acima, com pavor das pragas e poderes da Dona
Alba, mas com o sorriso moleque de quem tinha aplicado uma troça.
Quem
tinha iniciado a rotineira peça, ninguém sabia.
Também
não havia adulto para repreender o malfeito.
O
certo é que participar daquilo era como um rito de passagem, uma demonstração
de valentia. Afinal, Dona Alba metia muito, muito medo.
Ela
morava sozinha, numa casa que ficava lá em baixo num buraco.
À
noite, com economia de lâmpadas, apenas uma vela de cor vermelha iluminava fracamente
a frente da casa de Dona Alba.
A
curiosidade para vasculhar aquela casa misteriosa, composta por objetos untados
pelos segredos da Dona Alba, conseguia ser ainda maior do que o medo da
garotada.
Numa
noite enluarada, fomos três dos meninos escada abaixo, bisbilhotar a casa de
Dona Alba. Eu, Nem e Dengo fomos os voluntários.
Os
outros meninos? Cada um arrumou jeito de ir para o seu canto, trincando os
dentes de medo, como leais companheiros.
Já
passava das nove horas da noite e algum dos três agentes sugeriu que ela já
estivesse dormindo.
O
objetivo era singelo e insignificante, era olhar pela janela da sala da Dona
Alba, quase sem luz, de pertinho, guardar na retina o máximo de detalhes e
contar a semana inteira a proeza.
Descemos
pé ante pé, até chegarmos na parede mais próxima à ribanceira.
Com
as mãos na alvenaria para o apoio e os pescoços esticados como girafa, enfiamos
os olhos cômodo adentro.
Susto!
Medo! Terror! Pavor! Tremura!
A
Dona Alba estava sentada num sofá, com olhos vidrados na janela e parece que
nos esperava.
Soltou
um sorriso branco, dizendo, numa voz macia, mas firme, tranquila, mas
autoritária, baixa, mas ameaçadora:
-
Menino, Nem, Dengo, vocês estão atrapalhando a minha novela!
Ela
ditou nossos nomes com um timbre de calafrio.
Subimos
correndo as escadas como nunca seria possível. O ar faltava dos pulmões dos
três guris. A saliva secou da boca dos três arteiros de uma tal forma
indizível.
Ficamos
mudos por um bom tempo.
Seria
possível descrever para alguém o que sentimos naquele escuro instante?
Concordamos que não.
Olhávamos
uns para os outros e a sofreguidão não passava.
Nada
nunca mais poderia ser tão assustador quanto a imagem que tivemos de dentro da
casa mal iluminada da Dona Alba, com aquela confissão em tom de sentença.
Os
três concordamos que ninguém nunca deveria repetir o desafio, não pagava a
pena.
Os
três concordamos que seria difícil dormir, a partir de então.
E
pensar que brincamos com Dona Alba alguns dias seguidos.
Nunca
mais zombamos da Dona Alba.
Um dia a vi de longe, toda de branco, dando voltas em torno de si, desenhando coisas no chão com aquela varinha de metal, como se fossem letras ou símbolos, balbuciando impropérios ou, bem possível rs, nomes de galãs de novela.
Foi quando dei linha
Que minha pipa
Caiu no telhado da vizinha.
A ranzinza da senhora,
Só devolveu a rabiola.