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09/08/2022

34 - DONA ALBA HALLOWEEN

 


Dona Alba era uma senhora de longos cabelos brancos, que habitualmente vestia calça e blusa brancas, sapato branco e sempre ostentava uma varinha de metal nas mãos.

Descia do ônibus que chegava ao bairro por volta das seis da tarde e sempre a esperávamos, quase escondidos, prontos para o grito.

Era a Dona Alba apontar na soleira do coletivo para a turma soltar o berro:

-Dona Alba Halloween! – num bullying irresponsável.

Ela encarava a gente, falava uns impropérios, fazia diversos desenhos com a varinha no chão, e era o bastante para nos deixar morrendo de medo.

Outro menino gritava:

- Dona Alba Pomba Branca! – numa afronta desrespeitosa.

Saíamos desembestados, numa correria rua acima, com pavor das pragas e poderes da Dona Alba, mas com o sorriso moleque de quem tinha aplicado uma troça.

Quem tinha iniciado a rotineira peça, ninguém sabia.

Também não havia adulto para repreender o malfeito.

O certo é que participar daquilo era como um rito de passagem, uma demonstração de valentia. Afinal, Dona Alba metia muito, muito medo.

Ela morava sozinha, numa casa que ficava lá em baixo num buraco.

À noite, com economia de lâmpadas, apenas uma vela de cor vermelha iluminava fracamente a frente da casa de Dona Alba.

A curiosidade para vasculhar aquela casa misteriosa, composta por objetos untados pelos segredos da Dona Alba, conseguia ser ainda maior do que o medo da garotada.

Numa noite enluarada, fomos três dos meninos escada abaixo, bisbilhotar a casa de Dona Alba. Eu, Nem e Dengo fomos os voluntários.

Os outros meninos? Cada um arrumou jeito de ir para o seu canto, trincando os dentes de medo, como leais companheiros.

Já passava das nove horas da noite e algum dos três agentes sugeriu que ela já estivesse dormindo.

O objetivo era singelo e insignificante, era olhar pela janela da sala da Dona Alba, quase sem luz, de pertinho, guardar na retina o máximo de detalhes e contar a semana inteira a proeza.

Descemos pé ante pé, até chegarmos na parede mais próxima à ribanceira.

Com as mãos na alvenaria para o apoio e os pescoços esticados como girafa, enfiamos os olhos cômodo adentro.

Susto! Medo! Terror! Pavor! Tremura!

A Dona Alba estava sentada num sofá, com olhos vidrados na janela e parece que nos esperava.

Soltou um sorriso branco, dizendo, numa voz macia, mas firme, tranquila, mas autoritária, baixa, mas ameaçadora:

- Menino, Nem, Dengo, vocês estão atrapalhando a minha novela!

Ela ditou nossos nomes com um timbre de calafrio.

Subimos correndo as escadas como nunca seria possível. O ar faltava dos pulmões dos três guris. A saliva secou da boca dos três arteiros de uma tal forma indizível.

Ficamos mudos por um bom tempo.

Seria possível descrever para alguém o que sentimos naquele escuro instante? Concordamos que não.

Olhávamos uns para os outros e a sofreguidão não passava.

Nada nunca mais poderia ser tão assustador quanto a imagem que tivemos de dentro da casa mal iluminada da Dona Alba, com aquela confissão em tom de sentença.

Os três concordamos que ninguém nunca deveria repetir o desafio, não pagava a pena.

Os três concordamos que seria difícil dormir, a partir de então.

E pensar que brincamos com Dona Alba alguns dias seguidos.

Nunca mais zombamos da Dona Alba.

Um dia a vi de longe, toda de branco, dando voltas em torno de si, desenhando coisas no chão com aquela varinha de metal, como se fossem letras ou símbolos, balbuciando impropérios ou, bem possível rs, nomes de galãs de novela.

 

Johnny Guimarães

 

Foi quando dei linha

Que minha pipa

Caiu no telhado da vizinha.


A ranzinza da senhora,

Só devolveu a rabiola.