Há
uma caixa plástica no quarto do João com dezenas de fotografias. Há registros
de momentos de sua infância, de gambiarras de brinquedo, de passeios a cavalo,
há uma roda de quadrilha barulhenta, há luzes de um jogo de videogame, há a
altura da ponte do Brooklyn, os rodopios da bicicleta, o voo de pipas e uma
chuva torrencial.
Os
sorrisos que há na caixa de plástico do quarto do João chegam a levantar a
tampa e ameaçar as prateleiras.
No
meio das fotos da infância do João há também meia dúzias de fotos de minha
infância. Estão perdidas por ali, fazendo uma junção de tempo impensável. Ali,
de alguma forma, somos meninos, moleques contemporâneos.
Dentre
as fotos, há, em especial, o delicioso temporal que enfrentamos, deixando que as
roupas e cabelos se molhassem, que os pés descalços, inconsequentes, chutassem
a enxurrada.
Daquele dia distante, a chuva veio secar qualquer lágrima. É possível ampliar a foto e se deliciar com o sorriso feliz do menino mais novo, ensopado.
A
chuva da foto nunca cessou. Nem poderia. Contínua, traz consigo uma goteira
persistente, trovões que não colocam medo, um vento mais forte que brisa.
Tudo
naquela caixa plástica parece querer romper.
Há
uma força de água represada, há um brilho intenso demais para qualquer retina.
A
chuva da foto, por exemplo, vaza da caixa diuturnamente, inunda nossos dias,
molha nossas letras, escorre por entre os dedos, molhando as calças, rotina e
sapatos. Chove em nossa casa, de dentro para fora, desde aquela foto.
A
caixa plástica do quarto do João é antes um laço do que um dique.