Hoje estou esquisito e acho que é efeito do filme de Lars Von Trier. “Melancolia” ainda está ricocheteando e espero que o tiro durma um dia, seco e no alvo. Ou espero talvez que eu esteja preparado para a mensagem e que meus anticorpos da estagnação a envolvam numa ostra segura e confortável, tal como fizeram com escritores alemães e russos (sempre traduzidos), e a ponha pra dormir. Do contrário, terei que digerir o “Melancolia”, filme que ainda está aqui em queda livre.
Foi com suave maldade que me regozijei
com a noiva do filme Justine (Kirsten Dunst) espatifando todas as
regras de uma cerimônia de casamento cara e com hora marcada, numa fazenda com
18 buracos no campo de golfe.
Os passos atrapalhados da
noiva-bailarina nos envolvia e logo nos driblava, ao ponto de ficarmos tontos
em busca de uma lógica pra aquele derrame. Todos na sessão compartilharam da
vontade do atraso, do deboche, do descaso, mas por um segundo apenas... foi
preciso tampar os olhos e não ver a noiva-monstro colocando família, esperanças
e certezas – construídas por nossos “olhos de cimento” – todas por água abaixo. A
noiva troca todas as convenções e anseios por um belo e demorado banho.
Nesta altura do filme a ausência do
porquê de tanto desajuste nos incomoda. As coisas não devem estar encaixadas e
umas sobre as outras (aqui confesso que busquei o rótulo da loucura ou
depressão, para poder perceber o próximo set)?
Mas o caos de Lars Von Trier, o objeto
interplanetário Melancolia, com missão certa de acabar com nosso planeta,
estava lá. Contínuo. Numa toada ininterrupta, rumo ao inevitável. Era a sombra
que permeava todos os personagens, inclusive um mordomo fiel e adestrado.
O planeta-morte foi presença antecipada
na cabeça da noiva-advinha? Ela sabia muita coisa. Esta noiva quebra-aço, que
adivinhava até mesmo o número de grãos de arroz na taça do casamento: 678
grãozinhos. 678 e o fim da vida na Terra eram algumas verdades que ela
conhecia.
E, por isto, é necessário voltar à película e ver quão
ridícula é a postura de classificar esta louca. Eram últimos momentos de uma
vida, com intensidade somente possível com a percepção aflorada. Melancolia é o
caos que bate à porta. Ele está a todo momento aqui: toc, toc, toc... e nos
dando a possibilidade do salto, do olhar intenso, mas, infelizmente,
e contraditoriamente à procura de uma pseudo-felicidade, preferimos o
gráfico retilíneo e sem solavancos.
Diante do caos, quem tem mais certeza e
números científicos se desespera e busca a morte. Não é diferente no filme. O
roteiro do cunhado da noiva – John (Kiefer Sutherland) – homem
sábio, respeitado e de posses, antecipa o fim, para ter domínio da situação. Já
que não podemos evitar o choque catastrófico, buscar o veneno é, quem sabe,
assumir as rédeas.
Diante do caos, até os cavalos empacam,
às vezes.
Diante do caos, alguns mergulham e
sofrem, mas encontram o lugar do sorriso ao final. A noiva do filme ficou
gravada pra mim com uma trajetória próxima ao Zaratustra e ao próprio
Nietzsche, que foram da quebra dos valores à quase morte/solidão,
permitindo enfim o nascimento da alegria.
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Este texto foi escrito em 05/09/11, quando editava o blog minutal.blogspot.com, após discussões no grupo de psicanálise coordenado por Elizabeth Almeida, em Varginha. O texto foi uma forma de atravessar as impressões do filme.