Logo pela manhã, os monstros de metal já começavam seus barulhos. Eram tratores enormes, patrolas, caminhões pipas, rolos compressores e outras máquinas que nem sabíamos ensinar os nomes.
A obra era no viaduto do complexo Carlos Drummond de Andrade e virou rotina da família, à tardezinha, paralisar o trabalho e fazer um passeio para aquele safari urbano e de ferro. O menino lindo viajava com a visão das máquinas, se empolgava, vibrava e o dia começava mais ou menos assim:
Às 7:30 h da manhã:
- Hoje nós vamos ver a obra? Não é? Sério? Seríssimo? Serússo? Seriaço? Sério-tiranossauro-rex?
Era o jeito dele de nos arrancar um contrato inquebrantável.
Às 7:35 h da manhã:
- Hoje nós vamos ver a obra? Não é? Sério? Seríssimo? Serússo? Seriaço? Sério-tiranossauro-rex?
Às 7:36 h da manhã:
- Hoje nós vamos ver a obra? Não é? Sério? Seríssimo? Serússo? Seriaço? Sério-tiranossauro-rex?
E aqui podemos usar as reticências e dizer que eram dezenas de vezes a repetição do pedido. Só mesmo o passeio estancava a lamúria. E, por mais pacientes, era a solução.
Ai de nós, se não...
Neste dia, logo que chegamos para o piquenique diário e obrigatório aos pés da maquinaria, nos deparamos com o horário de almoço dos maquinistas, pedreiros e auxiliares.
- Olha, menino. Demos azar, que pena. Estão lanchando e as máquinas todas paradas. Vamos ver os peixinhos daquela casa da rua de baixo, depois a gente volta.
Mas o menino não gostou tanto assim da troca da retroescavadeira amarela pelos peixinhos brancos e laranjas, e cobrou seu preço;
- Mas a gente volta para ver a patrola? Sério? Seríssimo? Serússo? Seriaço? Sério-tiranossauro-rex?
E como não voltar?
Vivíamos numa época em que as viagens, os amiguinhos da escola, os passeios diversos eram só fotografias nos celulares e redes sociais. Mas como doíam!
Seria impossível não ceder ao pedido de resistência feliz desta meninada, não à toa o grupo mais forte nestes dias. E, claro, que voltaríamos.
Saiu a família de máscaras coloridas, em direção à casa dos peixinhos. O pai com uma camuflada, a mãe com uma singela e linda máscara de flores, a pequenininha com uma mínima máscara de sereia e o menino com a titular, a máscara do Lucas Netto. Não havia pedras no caminho, e quando já nos aproximávamos do endereço que virou nosso ponto turístico, os meninos começaram:
- Um, dois, três, quatro, cinco... peixinhos!!!!!
E eram pulos de alegria e uma familiaridade com as carpas da cascada do jardim que só mesmo esta quarentena poderia propiciar.
Embora o menino tenha saudado os peixinhos e reparado na retirada de um tufo de plantas aquáticas, já veio com a pergunta:
- Já acabou a hora do lanche? A patrola já está funcionando? Vamos voltar? Sério? Seríssimo? Serússo? Seriaço? Sério-tiranossauro-rex?
- Vamos, claro.
E fomos voltando pelo bairro, em ziguezague, até chegar perto dos tratores e do viaduto com o nome do poeta.
E estavam funcionando. E a patrola fazia muito barulho. O rolo amassava tudo. A retroescavadeira fazia buracos enormes. Os moços reviravam a terra, jogavam água e usavam roupas vermelhas. O cheiro de poeira e piche e de movimento e construção e existência era uma delícia e me deixava deveras comovido.
As buzinas e os capacetes dos obreiros completavam aquele cenário que por aqueles dias era nosso mundo.
Mundo mundo vasto mundo