Arnaldo Antunes
Preciso de roupas, rápido. Por isto busco o personagem de um conto meu antigo (Relato sob o outono), e suas vestes sem cor e a paisagem de madrugada, folhas secas e brisa persistente. Olho firme para a figura que criei e vejo que desenhá-la tenha sido talvez um alento de buscar um canto sem olhos, onde os movimentos são apenas os de qualquer moinho. Estar ali no co(a)nto, seria estar sozinho.
Até que ponto?
Minhas palavras não traçaram uma página orgulhosa de si mesma? Orgulho
por atingir algo em relação a algum leitor. Como se tivesse coberta por
minuciosa maquiagem? Não são os olhos do leitor o combustível que mantém aceso
aquele texto? Não preciso de um filtro ou adequação?
Mais. Ao dizer sobre o conto, nessa releitura, não ressuscito o morto
com a colaboração do leitor que persiste até este ponto?
Então deságuo novamente na constatação de que a minha existência, não
importa qual roupagem, personagem, maquiagem ou fantasia só se realiza com o
olhar vizinho. Imagino algo semelhante a um caleidoscópio de olhos, retalho de
muitas cores, difícil de suportar... mas único caminho.
O olhar de Narciso é uma opaca queda infinita. O afogamento se dá pelo
peso contido na caixa de concreto do “eu”, sem frestas, andando em círculos e
construindo castelos monstros repletos de quinas e pontas afiadas. Se você não
percebe a beleza do abismo de olhos em volta, o afogamento é inevitável. O que
seria revelação e beleza se torna morte.
Imagino, como vi brilhar no centro das reuniões de terça num portal que
se abre lá em Varginha (Grupo Minutal de discussão), que o olhar do outro me
compartilha e engole. Que quando olho o outro me enxergo e admiro, precisamente
por ver a potência de espectros que carrego.
Não quero me resumir a mim. E se passo a vida inteira como uma ostra,
tecendo pedras tão sólidas e inquebrantáveis é porque carrego comigo a mania de
andar em círculos e rebanho. Tropeço.
Todos estamos em queda. Todos os olhos estão juntos e em queda. Quando
tudo gira, não adianta buscar algo que esteja firme, melhor se abraçar a uma
música do que a uma pilastra.
Mas vi! outros olhos me olhando e sai correndo para um canto com dez
paredes e nenhuma janela. Fechei a porta, acendi a luz e lá fiquei tremendo as
pernas, com olhos fechados, sozinho, fugindo.
Apenas um assovio sorri que lembrasse a minha infância.
Foi quando me deu uma vontade louca de tirar toda a roupa, óculos e
sapatos, quebrar os guarda-chuvas e sair correndo pelos pares de olhos que se
abriam.
Foi o que fiz por instantes.
Texto escrito em 12/03/11
e publicado no blog Minutal